Seminário Internacional sobre os 50 anos da Declaração de Barbados: A virada política e epstemológica da Antropologia na América Latina
- Georg Grünberg (Universidade da Viena) – Autria
- Miguel Alberto Bartolomé (INAH) – México
- João Pacheco de Oliveira (Museu Nacional / UFRJ) – Brasil
Data e hora: 15/11/2021 – 10h – 12h 30min
Transmissão: https://www.youtube.com/tvaba
Organização:
- Edviges M Ioris (NEPI/PPGAS/UFSC)
- Ricardo Verdum (CAI/ABA)
A ABA solicita ações imediatas dos poderes públicos para conter a grave situação de violência na Terra Indígena Serrinha, RS
Associação Brasileira de Antropologia – ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas – CAI
Nota da ABA sobre a associação dos protestos indígenas ao suposto “terrorismo”
A Associação Brasileira de Antropologia (ABA), com sua Comissão de Assuntos Indígenas (CAI),
vem a público manifestar a sua grande preocupação com a situação de extrema violência na Terra
Indígena Serrinha, no Rio Grande do Sul. Esta semana nos chegou pelas mídias e por testemunhos de
indígenas da região, notícias sobre uma escalada de ameaças de morte, que ao que consta culminou
com os assassinatos de pelo menos três indígenas até este domingo, dia 17 de outubro.
Divulgou–se amplamente nas mídias sociais desesperados pedidos de socorro dos indígenas, muitos
deles acompanhados de relatos sobre ameaças de morte, sem que nenhuma ação oficial tenha sido
encaminhada para lhes assegurar a proteção necessária pela Fundação Nacional do Índio (FUNAI),
Ministério Público Federal (MPF) e/ou Polícia Federal (PF), apesar da situação de conflito já ser de
amplo conhecimento de todas as instituições. E o que inicialmente eram ameaças materializou–se em
mortes e um contexto de violências que dificilmente se estancará se não houver ações imediatas dos
poderes públicos.
O pano de fundo destes conflitos se assenta em uma realidade permeada por ilegalidades em relação
aos arrendamentos de terras indígenas para a produção extensiva de grãos, que se iniciou como Serviço
de Proteção aos Índios (SPI), foi referendada pela FUNAI, e tem se intensificado com as políticas e
ações do atual governo federal, para entregar as terras indígenas ao agronegócio. Esses arrendamentos
realizados ilegalmente com empresários do agronegócio têm causado alta concentração de terra nas
mãos de poucas famílias, alto grau de contaminação pelos insumos agrotóxicos, desmatamentos,
comprometimento da autosustentação alimentar de parcelas da população, além de sucessivos conflitos
entres os núcleos domésticos Kaingang, especialmente com aquelas núcleos que não aceitam e
discordam dos arrendamentos.
A ABA e sua Comissão de Assuntos Indígenas solicitam dos órgãos competentes, Fundação Nacional
do Índio (FUNAI), Ministério Público Federal (MPF) e Política Federal (PF) que: (a) as instituições do
Estado estejam presentes para garantir a segurança física e social dos indígenas na região; e (b) todas as
ações ilegais sejam apuradas e os crimes esclarecidos com urgência. A Comissão Nacional de Direitos
Humanos (CNDH), que visite o local para apurar as responsabilidades dos órgãos do Estado em todo o
processo.
Esperamos que a situação de ilegalidade atual seja estancada, de tal modo que os próprios Kaingang
possam encontrar as suas formas próprias de resolução de conflitos. Solicitamos que o assédio e a
violência constante bem como as pressões externas ameaçadoras e ilegais de particulares interessados
nos arrendamentos não possam mais se manter a partir das garantias a serem oferecidas pelas
instituições do Estado.
Brasília, 18 de outubro de 2021.
Manifesto das primeiras brasileiras, As originárias da terra: a mãe do Brasil é indígena
Manifesto das primeiras brasileiras, As originárias da terra: a mãe do Brasil é indígena
Nós, Mulheres Indígenas, estamos em muitas lutas em âmbito nacional e internacional. Somos sementes plantadas através de nossos cantos por justiça social, por demarcação de território, pela floresta em pé, pela saúde, pela educação, para conter as mudanças climáticas e pela “Cura da Terra”. Nossas vozes já romperam silêncios imputados a nós desde a invasão do nosso território.
A população indígena do Brasil é formada por 305 Povos, falantes de 274 línguas. Somos aproximadamente 900 mil pessoas, sendo 448 mil mulheres. Nós, Mulheres Indígenas, lutamos pela demarcação das terras indígenas, contra a liberação da mineração e do arrendamento dos nossos territórios, contra a tentativa de flexibilizar o licenciamento ambiental, contra o financiamento do armamento no campo. Enfrentamos o desmonte das políticas indigenista e ambiental.
Nossas lideranças estão em permanente processo de luta em defesa de direitos para a garantia da nossa existência, que são nossos corpos, espíritos e territórios.
Reunidas no XV Acampamento Terra Livre, em abril de 2019, construímos um espaço orgânico de atuação. Levamos pautas importantes para o centro do debate da mobilização que resultou na primeira Marcha das Mulheres Indígenas com a união de 2500 mulheres de 130 povos, em Brasília, no dia Internacional dos Povos Indígenas, em 9 de agosto daquele ano.
A Marcha, com o lema “Território: nosso corpo, nosso espírito”, foi pensada desde 2015 como um processo de formação e de fortalecimento com sustentada ação de articulação com diversos movimentos.
Agosto de 2020. Após um ano da 1ª Marcha das Mulheres Indígenas, nós, Mulheres Indígenas de todo o Brasil, realizamos uma mobilização histórica! Diante do agravamento das violências aos povos indígenas durante a pandemia da Covid-19, nós decidimos demarcar as telas e realizar a maior mobilização de mulheres indígenas nas redes virtuais. Assim, nos dias 7 e 8 de agosto, acontecia a nossa grande assembleia online com o tema “O sagrado da existência e a cura da terra”.
Nós, Mulheres Indígenas, também somos a Terra, pois a Terra se faz em nós. Pela força do canto, nos conectamos por todos os cantos, onde se fazem presente os encantos, que são nossas ancestrais. A Terra é irmã, é filha, é tia, é mãe, é avó, é útero, é alimento, é a cura do mundo.
Como calar diante de um ataque? Diante de um Genocídio que faz a Terra gritar mesmo quando estamos em silêncio? Porque a Terra tem muitos filhos e uma mãe chora quando vê, quando sente que a vida que gerou, hoje é ameaçada. Mas ainda existe a chance de mudar isso, porque nós somos a cura da Terra!
Diante da Pandemia, criamos espaços de conexão para fortalecer a potência da articulação de Mulheres Indígenas, retomando valores e memórias matriarcais para avançar em pleitos sociais relacionados aos nossos territórios, enfrentando as tentativas de extermínio dos Povos Indígenas, as tentativas de invasão e de exploração genocida dos territórios – ações que têm se aprofundado no contexto da pandemia. Dessa forma, conseguimos também fortalecer o movimento indígena, agregando conhecimentos de gênero e geracionais.
As Mulheres Indígenas assumiram um papel fundamental na articulação das redes de apoiadores nesse momento. Além de atuarem permanentemente nas barreiras sanitárias, as mulheres estiveram frente às construções estratégicas dos planos Territorial, Regional e Nacional no enfrentamento à Covid-19. Há muitas Mulheres Indígenas com atuações significativas na contribuição pela defesa dos direitos dos Povos Indígenas – muitas vezes enfrentando diversas formas de violências.
Em virtude das constantes violações de direitos, aprofundadas no contexto da pandemia, é urgente fortalecer a contribuição dessas defensoras, qualificando e ampliando suas ações nos espaços de participação política e decisória e apoiando a participação qualificada das Mulheres Indígenas como protagonistas e multiplicadoras.
Estamos atuando não somente no enfrentamento à Covid-19, mas na linha de defesa do “Covid sistemático do Governo Federal” e de seus ataques permanentes aos direitos indígenas.
Como desdobramento, notou-se a necessidade de avançar ainda mais, fortalecer nossas capacidades organizacionais, com vias de oficializar essa articulação da ANMIGA, incluindo o planejamento estratégico e o funcionamento de nossas redes.
Somos muitas, somos múltiplas, somos mil-lheres, cacicas, parteiras, benzedeiras, pajés, agricultoras, professoras, advogadas, enfermeiras e médicas nas múltiplas ciências do Território e da universidade. Somos antropólogas, deputadas e psicólogas. Somos muitas transitando do chão da aldeia para o chão do mundo.
Mulheres terra, mulheres água, mulheres biomas, mulheres espiritualidade, mulheres árvores, mulheres raízes, mulheres sementes e não somente mulheres, guerreiras da ancestralidade.
Denúncia da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil e Articulação dos Povos Indígenas do Sul
Basta de arrendar vidas indígenas!
A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e a Articulação dos Povos Indígenas do Sul (Arpinsul) denunciam a omissão do Governo Federal sobre as práticas criminosas de arrendamento cometidas em Terras Indígenas do povo Kaingang, no Rio Grande do Sul (RS). Um processo que coopta e corrompe lideranças colocando indígenas contra indígenas em uma política de violência incentivada pelo atual Governo, fomentada pelo agronegócio e que gera mortes.
Repudiamos de forma veemente toda violência que tem acontecido nas TIs Serrinha, Nonai, Ventana, Carreteiro e Guarita, no Rio Grande do Sul, que ameaçam as vidas dos velhos, crianças, mulheres e homens do povo kaingang.
Nos solidarizamos com as famílias que perderam seus parentes assassinados e com as pessoas expulsas de suas casas, neste sábado (16), para a violência alimentada pelo agronegócio com o arrendamento de parte da TI Serrinha, localizada no município de Ronda Alta (RS), para o plantio de soja.
Alertamos sobre a necessidade das instituições de controle e fiscalização do Estado agirem imediatamente para impedir o avanço da violência nas TIs do Rio Grande do Sul. Basta de abandono do Estado, conivência com o roubo de terras e basta de mortes. É preciso impedir que os arrendamentos sejam legalizados com a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 187, que tramita no Congresso Nacional e pretende legalizar a prática em todo o país. A proposta ruralista é mais uma ameaça aos direitos constitucionais dos povos indígenas e pode agravar ainda mais o quadro de violências contra os povos originários.
“Desde a época do SPI (Serviço de Proteção ao Índio) o arrendamento das Terras Indígenas no Sul é feito com o incentivo do Estado e quem era contra acabava sendo assassinado, expulso ou preso. Depois com a Funai (Fundação Nacional do Índio), na década de 70, as violências continuaram. A partir da década de 80 o povo Kaingang começou a praticar arrendamento e os conflitos seguem até os dias atuais com o agravamento da violência política alimentada pelo agronegócio que arma milícias para perseguir e matar nossas lideranças”, alerta Kretã Kaingang, coordenador executivo da Apib.
Se nós não enfrentarmos o Estado, se nós não enfrentarmos os políticos, se nós não enfrentarmos o agronegócio nós não vamos conseguir parar com os arrendamentos e com os conflitos nas terras indígenas.
Sangue indígena nenhuma gota a mais!
Resultado Seleção PIBIC
A Comissão de Seleção, após análise do material enviado, reconhece que as duas participantes abaixo correspondem ao perfil esperado, estabelecendo a seguinte ordem de classificação :
1a: Raíssa Cesário Alvim Lobo – matrícula: 18101099 (classificada com bolsa de IC)
2a: Ana Sofia Xavier da Rosa – matrícula: 18101077
Atenciosamente,
Antonella Tassinari, Edilma Monteiro, Elis Nascimento e Silva
Seleção de bolsista PIBIC
Seleção de bolsista de iniciação científica (PIBIC/CNPq/UFSC)
Título do plano de trabalho: Transmissão da memória e articulação de conhecimentos indígenas e acadêmicos
Título do projeto da orientadora: Produção da pessoa, circulação de conhecimento e afinidade entre populações indígenas
Orientadora: Profa.Antonella Tassinari – Departamento de Antropologia – CFH – UFSC
Período de vigência da bolsa – setembro de 2021 a agosto de 2022
Número de vagas: 01
Local de atividade: NEPI (Núcleo de Estudos de Populações Indígena)
Breve descrição do projeto:
Este plano de atividades de bolsa PIBIC está relacionado ao Projeto de Produtividade em Pesquisa CNPq intitulado “Produção da pessoa, circulação de conhecimento e afinidade entre populações indígenas” (2019-2022) que objetiva compreender e articular processos de produção da pessoa, circulação de conhecimentos e afinidade com foco etnográfico na região do baixo rio Oiapoque, onde a orientadora vem desenvolvendo pesquisas de campo desde 1990.
Neste plano de atividades específico para iniciação científica, o/a bolsista irá colaborar com os objetivos 3 e 4 do projeto de pesquisa, a saber: 3. Reflexão sobre a interação da memória local com os conhecimentos antropológicos a partir da experiência de um processo de escrita etnográfica em hipermídia, com o desenvolvimento do blog Memórias do Oiapoque; 4. Reflexão sobre a articulação entre conhecimentos indígenas e acadêmicos a partir da presença indígena no Ensino Superior, considerando a experiência da UNIFAP e da UFSC.
Mais especificamente, o/a bolsista deverá colaborar com a produção de uma plataforma interativa para a disponibilização dos dados de pesquisa de campo realizadas desde 1990 entre as famílias Karipuna e Galibi-Marworno, como forma de retorno da pesquisa, que possa ser útil para a memória das famílias e para as pesquisas atualmente desenvolvidas por acadêmicos/as indígenas. Esta plataforma vem sendo idealizada desde 2014 e atualmente utiliza o recurso de um blog e de plataformas gratuitas de armazenamento de imagens e sons: www.memoriasoiapoque.wordpress.com. A catalogação, digitalização e organização de imagens, tanto na forma física quanto on-line (baixados na plataforma Flickr), foi realizada por bolsistas de iniciação científica em anos anteriores. O cuidado com a conservação dessas imagens deverá ser mantido pela/o atual bolsista. Arquivos sonoros foram também digitalizados e deverão agora ser classificados, catalogados e baixados na plataforma Soundcloud, para disponibilização no blog.
Para a continuidade do projeto do blog Memórias do Oiapoque, além de disponibilizar imagens e sons, foi solicitado incluir dados históricos e produzir micro-etnografias na forma de posts. Deverão ser produzidos no período 12 posts etnográficos e caberá aa/o bolsista acompanhar sua repercussão junto aos indígenas do Oiapoque, registrando seus comentários e acolhendo pedidos de materiais do acervo para realizarem suas pesquisas. Trata-se, portanto, de um trabalho de conservação e atualização do acervo de imagens e sons e de monitoramento do blog Memórias do Oiapoque, em diálogo com pesquisadores indígenas da UNIFAP, supervisionados naquela instituição pelas Profas.Carina Almeida e Elis Barros.
Como aprofundamento bibliográfico, propõe-se conhecer a literatura etnológica sobre a região do baixo Oiapoque e sobre o tema da devolução ou retorno dos resultados de pesquisa, com a realização de leituras, fichamentos e pesquisa bibliográfica sobre o tema.
Uma parte do plano de atividades, está relacionada à inserção do/a bolsista no cotidiano de um núcleo de pesquisa, o Núcleo de Estudos de Populações Indígenas (NEPI), uma oportunidade importante para a aprendizagem científica. Conforme as condições sanitárias permitirem o retorno presencial à UFSC, além de estar presente no núcleo ao menos 12 horas semanais, o/a bolsista deverá participar dos seminários semanais (onde são discutidas as pesquisas em andamento de pesquisadores nos níveis da graduação e pós-graduação) e colaborar com as atividades do núcleo: atualização da página, conferência de e-mails e demandas por telefone, manutenção do acervo, apoio a eventos organizados pelo núcleo. No caso de atendimento remoto, o/a bolsista poderá atualizar a página do núcleo, responder e-mails e participar das atividades remotas.
Principais atividades previstas para a bolsa:
Leituras sobre Povos Indígenas do Oiapoque
Familiarização com a plataforma Memórias do Oiapoque
Leituras sobre retorno/devolução de resultados de pesquisa
Participação na SEPEX
Organização e sistematização de material sonoro para acervo
Seleção, edição e download de registros sonoros
Gerenciamento do blog Memórias do Oiapoque (diálogo com possíveis leitores e interessados)
Contato com estudantes indígenas da UNIFAP para acompanhamento
Gerenciamento da página do NEPI
Elaboração de relatório parcial
Elaboração de relatório final
Participação nos seminários do NEPI
Requisitos para concorrer à bolsa (em conformidade com o Edital Propesq 01/2021)
Ser estudante regularmente matriculado em curso de Graduação da UFSC (será dada preferência a estudantes de Antropologia, Ciências Sociais ou Museologia);
Preferencialmente não ter previsão de concluir o curso de graduação durante a vigência da bolsa;
Preferencialmente, ter cursado disciplina de Introdução à Antropologia;
Preferencialmente, ter conhecimentos da língua francesa;
Ter o currículo cadastrado e atualizado na Plataforma Lattes do CNPq no ano corrente (em caso de atualização é importante, ao final da edição, clicar em “Enviar ao CNPq”, pois caso contrário o Lattes mantém o status “Em preenchimento”, inviabilizando o cadastro do bolsista);
Possuir conta corrente própria e ativa no Banco do Brasil no momento da assinatura e envio do Termo de Outorga. Contas bancárias conjuntas, contas poupança ou contas em outros bancos não serão aceitas e impossibilitam o pagamento;
Dedicar-se às atividades acadêmicas e de pesquisa previstas no Plano de Trabalho;
Não possuir, durante a vigência da bolsa (vide item 3), vínculo empregatício ou bolsa de outro programa de Iniciação Científica e/ou Tecnológica, monitoria ou extensão;
No caso de estágio, conforme Resolução Normativa do CNPq, desde que haja apresentação de declaração conjunta do supervisor de estágio e do orientador na pesquisa de que a realização do estágio não afetará a dedicação às atividades acadêmicas e de pesquisa, é permitido o acúmulo. Bolsistas com estágio contratado via SIARE não podem acumular com bolsas PIBIC pagas pela UFSC;
Ter bom desempenho acadêmico. Com exceção dos alunos em primeira fase, ainda sem IAA, não poderá ser indicado como bolsista aluno com IAA inferior a 6,0;
Não ter relação de parentesco direta com a orientadora, o que inclui cônjuge, companheiro/a ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau;
Não pode ser indicado bolsista que já tenha sido excluído uma vez do PIBIC, PIBIC-Af, BIPI ou PIBITI no período de vigência da bolsa (vide item 3) por substituição ou cancelamento;
Poderá ser excluído do sistema no corrente ano, ficando impossibilitado de receber bolsa, um mesmo bolsista que tenha sido simultaneamente indicado por dois orientadores, se for caracterizada má fé.
Para concorrer:
1 – Acesso as páginas do blog Memórias do Oiapoque e do NEPI nos links:
https://memoriasoiapoque.wordpress.com/
https://nepi.ufsc.br/
2 – Escreva uma carta de apresentação, mencionando brevemente sua trajetória, interesse na pesquisa em antropologia e no NEPI, disponibilidade de horários para a bolsa (20hs semanais) e comentando suas impressões sobre a ideia do blog. Se possível, mencionar experiência ou conhecimento sobre as plataformas mencionadas (wordpress, flickr e soundcloud).
3 – Envie até 22/08, por e-mail, para antonella.tassinari@gmail.com, com o assunto “candidatura bolsa PIBIC”:
Carta de apresentação;
Endereço eletrônico e telefone para contato;
Link para currículo preenchido na plataforma lattes;
Histórico escolar atualizado até 2021.
Divulgação do resultado:
O resultado da seleção será enviado às/aos candidatos inscritos e divulgado na página do NEPI entre 23 e 24 de agosto de 2021. A/o candidata/o selecionada/o deverá estar apta/o para ser inscrito no sistema até 25 de agosto de 2021.
Sobre a bolsa:
A/o candidata/o selecionada/o deverá iniciar as atividades em 1 de setembro de 2021 e receberá bolsa de iniciação científica do CNPq UFSC, no valor de R$ 400,00 (quatrocentos reais) por mês, depositada diretamente na sua conta bancária.
Comissão de seleção: Profa.Antonella Tassinari (UFSC/NEPI), Doutoranda Elis Nascimento (NEPI), Profa.Edilma Monteiro (UFMA/NEPI)
NEPI se une ao manifesto da ANMIGA em denúncia ao bárbaro assassinato da jovem Daiane Kaingang, de 14 anos
Em denúncia ao assassinato da jovem Daiane Kaingang e em solidariedade ao povo Kaingang e à família enlutada, publicamos o manifesto da ANMIGA:
A Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), viemos por meio deste manifesto repudiar e denunciar o crime de barbárie cometida na tarde desta quarta-feira (04), no Setor Estiva, da Terra Indígena do Guarita, no município de Redentora, contra a jovem de apenas 14 anos, Daiane Griá Sales, indígena Kaingáng, moradora do Setor Bananeiras da Terra Indígena do Guarita. A jovem Daiane foi encontrada em uma lavoura próxima a um mato, nua e com as partes inferiores (da cintura para baixo) arrancadas e dilaceradas, com pedaços ao lado do corpo.
Temos visto dia após dia o assassinato de indígenas. Mas, parece que não é suficiente matar. O requinte de crueldade é o que dilacera nossa alma, assim como literalmente dilaceraram o jovem corpo de Daiane, de apenas 14 anos. Esquartejam corpos jovens, de mulheres, de povos. Entendemos que os conjuntos de violência cometida a nós, mulheres indígenas, desde a invasão do Brasil é uma fria tentativa de nos exterminar, com crimes hediondos que sangram nossa alma. A desumanidade exposta em corpos femininos indígenas, precisa parar!
Estamos aqui, reivindicando justiça! Não deixaremos passar impune e nem nos silenciarão. Lutamos pela dignidade humana, combatendo a violência de gênero e tantas outras violações de direitos. As violências praticadas por uma sociedade doente não podem continuar sendo banalizadas, naturalizadas, repleta de homens sem respeito e compostura humana, selvageria, repugnância e macabrismo. Quem comete uma atrocidade desta com mulheres filhas da terra, mata igualmente a si mesmo, mata também o Brasil.
Mas saibam que o ÓDIO não passará! Afinal, a violência praticada não pode passar impune, nossos corpos já não suportam mais ser dilacerados, tombado há 521 anos. Que o projeto esquartejador empunhado pela colonização, violenta todas nós, mulheres indígenas há mais de cinco séculos.
Somos 448 mil Mulheres Indígenas no Brasil que o estrupo da colonização não conseguiu matar e não permitiremos que a pandemia da violência do ódio passe por cima de nós.
Parem de nos matar! A cada mulher indígena assassinada, morre um pouco de nós.
Vidas indígenas importam. Gritaremos todos os dias, a cada momento, vidas indígenas importam. E a vida de Daiane importa. Importa para sua família, para seu povo. Importa para nós mulheres indígenas.
Somos todas Daiane Griá Kaingang!
Exigimos justiça!
Nossa homenagem a Nanblá Gakran, chanceler do povo Laklãnõ-Xokleng
Foi uma semana muito triste para todos os povos indígenas do Brasil, recebidos com bombas pela polícia ao protestarem contra a votação da PL490 na CCJ da Câmara dos Deputados, que acabou por ser aprovada naquela instância.
Mais triste ainda para o povo Laklãnõ-Xokleng de Santa Catarina e para que conheceram o querido Nanblá Gakran, falecido ontem 26/06/2021.
O Professor Doutor Nanblá, como era conhecido não somente entre o seu povo, como também assim referido entre a população não indígena que circunscreve e pressiona a sua Terra Indígena, era um chanceler do povo Laklãnõ-Xokleng; mediador de relações, de implementação de políticas públicas, um tradutor entre “o mundo dos brancos e o mundo indígena”, como o Professor Sílvio Coelho dos Santos descrevia a situação de opressão a que seu povo fora submetido por mais de um século de colonização e subtração de seu território e forma de viver. Nanblá foi um edificador de cidadania indígena. Através da sua primazia na implementação da educação bilíngue nos moldes desenhados pela Constituição de 1988 no que tange os direitos dos povos indígenas, Nanblá foi incansável no processo de fazer grafar a sua língua entre os primeiros professores indígenas em formação nos anos 1990. A língua xokleng passada para o papel, e replicada pelos jovens educadores e professores indígenas, operou uma verdadeira revolução cultural entre os Laklãnõ-Xokleng. Esse processo histórico e autóctone, deflagrou amplos e populares ações de revitalização e conscientização acerca das tradições, usos e costumes, além da beleza, de um povo que parou de andar de cabeça baixa entre os brancos.
Nanblá se encantou pelo estudo da sua língua nativa ainda muito jovem, ao conhecer em sua aldeia o trabalho do antropólogo Greg Urban, que ali desenvolveu pesquisas nos anos 1970 na área da Antropologia Linguística. Com muita persistência e determinação, prosseguiu os estudos acadêmicos e foi um dos indígenas pioneiros a cursar o Ensino Superior e a pós-graduação. Cursou Bacharelado e Licenciatura em Ciências Sociais na UNIVALI/SC, Letras-Português na FAFIBE/MG. Fez mestrado em Linguística na UNICAMP, com orientação de Wilmar D’Angelis, onde defendeu a dissertação Aspectos Morfossintaxe da Língua Xokleng (Laklãnõ) Jê, em 2005. Prosseguiu os estudos na UnB, realizando doutorado em Linguística com orientação de Ana Suelly Cabral, defendendo a tese Aspectos Morfossintaxe da Língua Xokleng (Laklãnõ) Jê, em 2015.
Além de lecionar durante muitos anos na escola Laklãnõ/Xokleng, também foi professor na FURB e, entre 2016 e 2018, lecionou na UFSC com uma importante atuação no Curso Licenciatura Intercultural Indígena. Na ocasião, idealizou a criação de um Instituto de Línguas Indígenas na UFSC que, esperamos, venha um dia a se concretizar. Prosseguiu estudos pós-doutorais em Linguística na UFSC, com supervisão de Cristine Gorski Severo, com o projeto Promoção de uma Politica de Divulgação da Língua Indígena Xokleng/Laklãnõ no meio Acadêmico e Não-Acadêmico.
Em sua atuação, inspirou uma geração Laklãnõ/Xokleng que hoje chega às universidades, realizando cursos diversos e ocupando posições de destaque, como demonstram as palavras de Ítalo Mongconnan Reis, pesquisador do NEPI que foi seu aluno na Terra Indígena Ibirama e atualmente cursa mestrado em Antropologia Social na UFSC:
“Se despedir não é algo fácil, principalmente quando esse alguém fez parte de sua trajetória, lhe inspirou e incentivou a buscar seus sonhos. Era criança, tinha seis anos e me lembro do primeiro dia de aula, ele chegou em sua bicicleta verde, alegre pois seria o professor que iria ministrar a disciplina da Língua Materna Xokleng dentro da T.I.
Era algo novo e com certeza um desafio tanto para ele professor, quanto para nós alunos(as). Tinha uma forma singular de ensinar, compartilhar e estar conosco. Os anos passaram, seguiu seu caminho e se tornou doutor. Ficou conhecido, mas nunca esqueceu suas origens, era e sempre será o professor Namblá Gakrán. Ele partiu desse mundo, mas podemos mantê-lo vivo memorando sua trajetória. Descanse em paz professor!”
Nanblá hoje vive como mais um herói do tempo histórico e mítico do Laklãnõ-Xokleng!
Texto de Flávio Wiik, Antonella Tassinari e Ítalo Mongconnan Reis
Fotografias por ordem de aparição:
1.Foto de: Jessé Phyley Marques da Silva, 9/04/2018, durante atividades escolares Abril Indígena
2.Reunião com equipe da Licenciatura Indígena/UFSC para discutir o Instituto de Línguas Indígenas. Prof.Nanblá Gakran, Profa. Márcia, Prof.Mauro Carvalho, Profa.Joziléia Schild, Profa.Antonella Tassinari e Profa.Cristine Gorski Severo, 14/03/2017.
3.Reunião com equipe de professores e lideranças da TI Laklãnõ, organizada por Marcondes Namblá, em 22/11/2017, na foto com o Pró-Reitor da PRAE, Prof.Pedro Manique Barreto, Prof.Voia Criri, Profa.Aline Ramos Francisco, Profa.Lilian Patté dos Santos Lemos, Profa. Vilma Patté Cuzugni, Profa. Antonella Tassinari e Prof.Nanblá Gakran
Higino: sabedoria, generosidade e desafio
Há um ano, no dia 18 de junho de 2020, não apenas o alto rio Negro, mas todos nós que acreditamos nas práticas guiadas pelos valores da diversidade e da interculturalidade, perdíamos para a COVID19, Higino Tenório Tuyuka, grande liderança indígena e educador e um dos fundadores da Escola Utapinopona- Tuyuka, situada na TI Alto Rio Negro, Amazonas.
Higino teve várias facetas e marcou a vida de seus parentes Tuyuka e também de diversas pessoas e povos. Aqui ressalto apenas algumas delas. O que posso falar a partir da minha experiência, é que Higino era um ser humano pleno, cuja presença preenchia de luz qualquer espaço, apaixonado pela vida, curioso, sábio, corajoso e generoso, desafiador. Um grande mestre e amigo.
Higino foi acima de tudo uma grande liderança Tuyuka, idealizador da Escola Utapinona-Tuyuka, localizada no alto Tiquié, Terra Indígena alto Rio Negro, na fronteira com a Colômbia/Amazonas. Junto ao seu povo conseguiu colocar em prática de maneira primorosa e original os direitos constitucionais indígenas da educação escolar específica. Em um contexto em que a educação escolar era marcada pela herança da educação missionária implementada pelos salesianos desde o início do século XX, os Tuyuka liderados por Higino, desenvolveram uma escola pensada pelo povo que ultrapassava as barreiras da instituição escolar se misturando com a vida da comunidade. Uma escola multilíngue com alfabetização na língua Tuyuka, tendo a língua portuguesa como segunda língua e a espanhola como terceira, o ensino efetivado via pesquisa com valorização dos conhecimentos indígenas e interlocução com conhecimentos científicos que geraram e ainda geram experiências de produção, circulação e registro de conhecimentos na língua tuyuka. Escola que, além do ensino fundamental, ousou implementar o ensino médio indígena, sem apoio do governo, e que formou e continua formando as diversas gerações de crianças e jovens Tuyuka autônomos, orgulhosos de si e do modo de vida Tuyuka.
Mas, além disso, Higino foi um pensador e educador que, a partir desta experiência prática de educação autônoma, desafiou os povos do alto rio Negro, e mesmo outros povos indígenas do Brasil, como também professores, estudantes e pesquisadores de grandes universidades a repensarem seus modos próprios de compreender o mundo, de produzir conhecimento e de educar.
Quando eu cheguei no rio Negro, em 2005, como parte da equipe do Programa Rio Negro do Instituto Socioambiental, uma das minhas grandes expectativas era conhecer a Escola Utapinopona- Tuyuka que, já naquela época, era reconhecida como um modelo de escola indígena. Higino, seu irmão Guilherme e professores como seu sobrinho Geraldino, Bosco, os Josés, Glória e tantos outros, junto aos antropólogos do ISA, Aloisio e Flora Cabalzar e ao linguista Gilvan Muller, estavam há alguns anos neste processo de construção da escola e de fortalecimento da língua Tuyuka, que há décadas vinha sendo substituída pela língua Tukano. Para mim, a escola Tuyuka e, especialmente, a convivência com Higino, foi uma grande escola da vida. Com meus 25 anos, após 3 dias de viagem e atravessar algumas cachoeiras, cheguei à paradisíaca comunidade de Moopoea (São Pedro), criada pelos irmãos Guilherme e Higino que, com sua maloca imponente e ampla, onde os Tuyka estavam retomando a realização de ritos cerimoniais, era a mais apreciada daquele rio pelo modelo de educação escolar. Era apreciada também pela beleza de suas roças, igarapés e cachoeiras e pela vitalidade das práticas culturais e qualidade de vida.
Nunca esqueço a primeira vez em que vi Higino e como ele me olhou do seu jeito: acolhedor e desafiador. Provavelmente por perceber minha inexperiência, me desafiava como assessora, antropóloga e pessoa, e sempre me surpreendia com perguntas instigantes: Melissa, eu posso te contar a historia dos meus antepassados, mas você sabe quem são os seus? De onde vieram seus avós, bisavós? Um antropólogo precisa saber isso. Melissa, você sabe de onde vem a água que você bebe ou você compra água em garrafas plásticas? Melissa, como os brancos podem deixar as pessoas viverem em favelas, passando fome? Sem ter onde dormir e comer. Porque não acolhem todas? Melissa, acho que você é uma aventureira, um dia ele me disse, insinuando que eu não duraria muito tempo no rio Negro, que estava ali a passeio. Observava se eu conseguia acordar cedo, carregar água, comer quinhampira, participar das festas, interagir com as pessoas. Não tinha hora. Até tarde da noite ele visitava nossa equipe, na época eu, Aloisio e Pieter, e fazia suas perguntas, comentários, nos instigava a pensar na política de educação ou na gestão dos conhecimentos Tuyuka. Não tinha dia: domingo cedo da manhã, ele já estava na nossa casa, perguntando: isso é hora de ainda estar dormindo? Foi ele que incentivou sua filha Dulce a me desafiar a primeira vez para ir trabalhar na roça, sair das ideias e entrar na vida, fiz o serviço completo e quase não consegui dormir a noite de tanta dor que senti no corpo.
Naquela época, a experiência da escola Tuyuka já havia impactado o modo de funcionamento de escolas vizinhas do rio Tiquié e era vista como inspiração para outras escolas do rio Negro e para a própria secretaria de educação do estado que em conjunto com FOIRN, ISA e outras instituições parceiras, estava interessada em adotar a educação escolar indígena como uma espécie de modelo para a região. A escola Tuyuka e Higino Tenório invertiam a lógica do sistema: os tuyuka receberam ao longo de alguns anos equipes da secretaria de educação que vinham observar o cotidiano da escola e aprender com Higino, professores e alunos como se construir uma experiência exitosa de educação escolar indígena. Isso em uma região marcada pelo histórico do ensino missionário era muita coisa. Higino costumava ressaltar sobre as pesquisas na escola Tuyuka, que para além dos resultados alcançados, em formas de relatórios ou livros, também eram importantes as experiências engendradas nesses processos, que reuniam gerações em torno da circulação de conhecimentos fundamentais para a vida.
Higino, como grande referencial para a sua região, compôs e ajudou a construir a política municipal dos Assessores Pedagógicos Indígenas, que substituía a noção antiga de um supervisor pedagógico que fazia o acompanhamento de escolas, por uma noção contemporânea em que professores/coordenadores indígenas que tinham acumulado grande experiência em educação escolar indígena iriam acompanhar as escolas da região e apoiar na implementação de modelos de gestão e metodologia da escola indígena de acordo com cada realidade. Higino também teve papel central, como outras lideranças da região, no debate sobre a construção e aprovação junto ao Ministério de Educação, o primeiro Plano de Ações Articuladas Indígena, no Brasil, um plano interinstitucional de educação municipal implementado em São Gabriel da Cachoeira, que infelizmente foi engavetado devido a uma mudança de gestão. E finalmente, com toda paixão que tinha pela possibilidade de diálogo frutífero entre conhecimentos indígenas e não indígenas, Higino colaborou com a FOIRN e o ISA ativamente, trazendo as experiências da escola tuyuka para o delineamento de uma proposta de um instituto de conhecimentos indígenas e pesquisa no rio Negro, na discussão de temas como manejo ambiental e mudanças climáticas, territorialidade e alternativas econômicas.
Higino, além de tudo era um ser dotado de grande curiosidade e tinha o espírito aventureiro, um conhecedor Tuyuka e um antropólogo do seu povo e dos outros povos indígenas e não indígenas. Por muitos lugares ele andou, contando sobre o modo Tuyuka de conhecer e educar e sobre a experiência de uma educação escolar indígena Tuyuka, ele ia conhecendo outras experiências e ao mesmo tempo desafiando os pilares do modo de educar ocidental seja tanto nas escolas como nas universidades.
Uma das memórias que quero trazer, foi de uma dessas andanças em que acompanhei Higino, junto a Adeilson, ecólogo do Programa rio Negro, Madalena e Alonso Baniwa, escola Pamaali, a uma viagem a minha terra natal, Santa Catarina, para participar, a convite da antropóloga Antonella Tassinari, de um importante congresso internacional sobre a temática da educação intercultural, em 2009, XII Congresso da ARIC (Association Pour la Recherche Interculturelle), com povos vindos de vários lugares apresentarem suas experiências de educação, inclusive grande nomes do pensamento decolonial. A fala firme e inovadora de Higino causou tanto impacto nos presentes, que inspiraram a Antonella a escrever um artigo sobre as múltiplas concepções e vivências da infância e sobre o que as crianças indígenas podem ensinar para quem já foi à escola, no qual nos convida a pensar sobre o que desaprendemos quando passamos a freqüentar escolas [convencionais], a partir da idéia colocada por Higino, “sábio mestre Tuyuka”, durante o congresso ao ser indagado sobre alguns resultados positivos das escolas dirigidas pelos Salesianos na região do Rio Negro, comprovados em estatísticas que colocavam São Gabriel da Cachoeira com o maior índice de alfabetização do Brasil. Higino respondeu que, embora esses índices tenham medido o que a escola salesiana ensinou, não havia nenhum índice que poderia medir o que as crianças indígenas deixaram de aprender sobre suas próprias culturas freqüentando essa escola. Higino referia-se aqui à riqueza dos conhecimentos Tuyuka e indígenas.
Mas foi também a partir dessa viagem que se estreitaram minhas relações com Higino e depois com os Tuyuka. Em Florianópolis, Higino deliciou-se ao conhecer a tainha preparada pela minha mãe e sua prima, divertiu-se comendo pinhão e bebendo quentão em uma festa junina, encantou-se com as montanhas que cercavam a ilha e ao visitarmos o mar aberto da praia do Moçambique, ficou fascinado com a sua imensidão. Mas nos advertiu que para os Tuyuka quando observamos uma paisagem pela primeira vez que nos impressiona, não podemos prender nosso olhar e atenção por muito tempo, pois corre o risco de nossa alma ser capturada pela paisagem e isso nos enfraquece. Na minha cidade natal foi junto com Higino que visitei meu sobrinho recém- nascido pela primeira vez. Ao passear comigo e com meu pai na beira do rio Itajaí, Higino se encantou com os barcos, mas observou que as capivaras andavam pela rua, pois haviam sido deslocadas de seu habitat natural e duramente chamou minha atenção para a poluição do rio: “esse rio é um rio morto”, me fazendo pensar.
Foi ao conhecer minha terra natal e ser acolhido e recebido com festa pela minha família, que nossos laços se estreitaram. Lembro que Higino me falou, “Agora Melissa eu entendo quem você é e de onde você veio, qual o seu lugar na sua família e qual o significado de você estar morando e trabalhando conosco no rio Negro”. Voltando para sua comunidade, ele contou para os homens e mulheres que passaram a me receber com mais afeto. A partir daí, pude desenvolver um trabalho da linha de pesquisa do ensino médio Tuyuka sobre conhecimentos femininos para alimentação e saúde, em que Dulce sua filha era uma entre outras moças Tuyuka que coordenava a linha. Higino nos advertia: nada de ficar fazendo apenas artesanato para venda, isso é coisa das freiras. No fundo ele estava preocupado em formar os jovens para participar de grandes rituais, para produzir fontes alternativas de renda, mas também para realizar as atividades simples, como pesca, caça, culinária. Ele costumava ressaltar a importância de se valorizar os conhecimentos e práticas relacionados à alimentação, pois essa era a base do sustento autônomo da vida. Trabalhamos então culinária, cerâmica e pinturas faciais e corporais.
Anos depois, em 2012, Higino participaria de um outro seminário na UFSC, dentro do projeto Conhecimentos antropológicos sobre povos indígenas do Rio Negro e vice-versa, coordenado pela Antonella Tassinari, em que, esse grande conhecedor e educador Tuyuka compartilharia com o também grande pesquisador e professor da universidade de Cambridge, Stephen Hugh-Jones, a função de comentar as pesquisas que vinham sendo realizadas por pesquisadores no Noroeste Amazônico. Na época os primeiros pesquisadores indígenas estavam ainda em formação na UFSC, hoje mestres, doutorandos e doutores e acompanhavam atentos na plateia. Higino desafiou todos os presentes com seus comentários a pensar sobre conhecimento, do ponto de vista Tuyuka.
Quando o Higino foi internado com COVID-19, Flora e eu reunimos recados de incentivo de pessoas queridas para Higino e vieram mensagens de várias pessoas espalhadas pelo rio Negro, pelo Brasil e pelo mundo, querendo muito bem ao Higino e reconhecendo sua importância marcante nas suas vidas e além. Em um dos recados, Claudia Bandeira de Mello, da Funai, falou para Higino que ele era um dos maiores educadores que ela já conheceu, e que poderia se sentar tranquilamente à mesa com grandes nomes da educação do Brasil e do mundo. Faço das palavras dela, as minhas palavras.
Sentirei muita falta da sua presença, da sua palavra, mas sobretudo, da suas gostosas gargalhadas. Mas, como me disse a amiga e antropóloga rio Negrina Rosi Whaikon ao tentar me consolar e se consolar: “o Higino será para sempre o nosso mestre e nosso guia”. Nas palavras de Paulo Freire: O educador se eterniza em cada ser que educa. Higino Tuyuka presente!
*Higino Pimentel Tenório, mais conhecido como Higino Tuyuka faleceu aos 65 anos, em 18.06.2020, em Manaus, Amazonas.
Texto de Melissa Santana de Oliveira, antropóloga, pesquisadora associada ao NEPI/UFSC
Abaixo, durante o Encontro ARIC, UFSC, 2009: Adeilson Lopes, Alonso Garcia Baniwa, Antonella Tassinari, Madalena Paiva Baniwa, Melissa Oliveira, Higino Tuyuka.